20071007

Céu deserto.
Sonho sobre um céu deserto.
Os rios correm, mas cedo secam.
Precisamos de novos sonhos esta noite – rosa do deserto, sonhei que tinha visto uma rosa no deserto.
O vestido rasgado em fitas, como uma sereia, ela chama por mim.
O sono vem como uma droga
Na terra de deus.
Olhos tristes, cruzes falsas.
Na terra de deus.
Ilumina-me.
Vamos abrir esse oco buraco na noite, todos os dias morrem sonhadores para ver o que está do outro lado.
Ela é a liberdade.
Vem para me salvar.
Esperança e fé. A sua vaidade. A melhor oferta é ouro.
O sono vem como uma droga.
Na terra de deus.
Olhos tristes, cruzes falsas.
Na terra de deus.
A chama nua.
Ela ergue-se como uma chama nua. E eu fico com os olhos de quem, consumido pelo amor, pelo fogo consumido,
Novos sonhos, céu deserto.
Ela é a liberdade.
O vestido.
Os rios.
A terra de deus.
Deserto.
Deserto.
A ponta aquecida, do teu dedo,
Acariciou a minha testa ensanguentada
Tal qual quando se pisa
Uma alma desdentada
E o corpo todo aço
Lambeu a ponta de uma falso cigarro
Do meu e o teu ilógico cansaço
E gritaste – sim, gritaste…
Como uma fera enjaulada
Ciosa de não ter aquilo que tem
E desejosa de amar
O que não é de nada.

A manhã vinha achar-te
Em calma inconsciência
Como uma vazia voz verde selada
Que te sussurra no peito
Em desmedida ciência:
«Se o amas, porque não és amada?!!!»

20070710

Segue em ternos passos
Numa inconstância inerte.
Um manto branco mutilado
E uma compressa na mão.
Não a morte. Não é essa figura.
Uma outra.
Devagar se lembrava o tempo
De não a esmagar.
O manto cinzento mutilado
E uma compressa nas mãos.
As sombras agitam ondulando-se.
- A sua música não é a mais fácil.
Em ternos passos caminha
Com seu archote… e os sons
Não são os mais fáceis.
Nem os sonhos
Muito menos as imagens.
Caminha em passos leves
Com seu archote na mão.
Um manto preto mutilado
E uma compressa desfeita.

20070209

Na orla do banco sentada,
Leve...
Seus fiéis
cabelos ondulados
na sua nuca e seus dedos... graciosamente
os tocando,
Fiéis
e acrobáticos eles espreitam,
Criança
...comum lugar onde tudo se passa
quando o tempo fuma um cigarro – SIM, ESPREITA CRIANÇA! DEBAIXO DAS SAIAS, NOS ESCOMBROS MOLHADOS...
no meu (e o teu), endócrino espaço.
Por aí segregam-se deuses, pela boca as pernas pelo cu o resto, – DESMEMBRA-O – criança deusa – criança perdição – criança loucura – criança desejo – criança fervente – criança fugaz e gélida alma,
Embebeda-te dela!
(O meu azedume é esta tua criação), – criança segredo –
Pátria e voz,
acumulada...
Criança assim dos pobres e dos sôfregos, criança deitada infiel cobaia,
Hoje, amanhã,
Ao acaso,
Acaso e seu precipício,
Ocaso, o medo e a sua prisão...

E a tentação de ser deus e lamber os dedos...

e a tentação de ser deus e lamber os dedos,
e a tentação de ser deus e lamber os dedos,
e a tentação de ser deus e lamber os dedos.

Criança acumulada e suja,
- Criança morte – arrojada e leve,
Leve ao longo de ti,
Criança ao longo de ti
(eu) sonho ao longo de ti.
Criança mãe, criança na sua nuca e seus dedos.
Leves,
Apressados,
Ao abrir as pernas.

E a tentação de ser pátria de joelhos...

e a tentação de ser Pátria de joelhos,
e a tentação de ser pátria de joelhos,
e a tentação de ser o tempo de fumar um cigarro.

Criança luva, selva e triste, sudação crescente,
Amor
IN – controlo.
IN – satisfação.
IN – perfeição.
IN – cide neste lugar.
Comum lugar onde tudo se passa quando o tempo fuma um cigarro. SIM! DESPERTA CRIANÇA! DEBAIXO DAS SAIAS, DOS ESCOMBROS MOLHADOS.
Do meu (e o teu), endócrino paladar.
Do meu (e o teu), desejo do súbito
Congela – mente

E a tentação de ser...

Criança Homem – verde – criança magia – pedra rubra – criança paralela – esmagada e doce – criança tu e agora
(o tu e o inconstante)
Pleno ao longo de ti
Fluído pelo longo de ti
Ao longo de ti – criança ar!

E a tentação de ser tempo e suicidar...

e a tentação de ser tempo e suicidar,
e a tentação de ser tempo e suicidar,
e a tentação de ser tempo e suicidar.

20061209

As vozes dilaceradas pelo abismo
Sonhos vociferados, prematuramente
Num tempo, como uma constante.
Um boneco articulado que não mente
E muito menos sente a demora
Precipitando-se em nossas mãos.
Um espaço inocular que projecta
ondas fálicas verdes sonantes
Num júbilo, num susto que simplesmente
recai em nossa voz.
São vozes vaciladas
mortas, de natural esquecidas.
São sombras mal traçadas dentro do próprio som.
Um momento terrivelmente só.
Tão só quanto insolitamente vulgo.
Quanto epistemologicamente julga existir.
São mais as vozes,
aqui soltas graves e provocadoramente a despertar
num olhar que navega a sombra
e a faz perder, no meio da multidão.
Jaz, jamais, a inevitável dúvida de assombro
num espaço que já não se tem
e já não se perde
porque não se quer pertencer.
São tórridas frias soltas as vozes,
ecoam em uníssono essa paz distante
onde o tempo é uma constante
e se espera procriar algo da mesma cor de seu nome.
Pálida, sorri como se fosse madrugada
e num esperto reflexo debita sua ânsia.
Aqui, onde já prolixamente o odor vocifera a léguas
onde a interminável busca ciranda,
é o corte verde palma que escuta seu gesto
e num arrepio gélido, como se fora um nome
sua tenra voz prolifera a demanda dissipada.
Neste aqui, verde seguro estável
encontra o tempo derramável brando
se um dia partir e assim fôr.
Daqui.

20050509

Neste rodopio quente que me arrasta.
Observo, da redoma que me suga o ar que respiro.
Espreito numa timidez lacerante, algo pérfido.
Falar será mais uma vez a vontade que me aperta,
no momento áureo.
Algo pérfido, neste rodopio quente que me arrasta.
Quente, leve, seguro. Seguro eu esta redoma que me impôs os segredos, alastram-se num código que me espreita. Falo trépida e incapaz.
Quase tão suave como o vento.
Era um canto afinal. Sou eu amarela parda fria.
Caída aos vendavais, a voar no sopro de um vulcão.
Serei eu violeta parda fria, capaz de imaginar o que de real acontece no íntimo do silêncio.
Uma sala vazia. Uma arca vazia.
Um baú vazio aberto. Numa timidez lacerante espreito.
Falo consoante o ar que me preenche a fala.
Descrevo o sonho pela forma de ar. Espalha segredos.
Ardente ar. Forma estranha de paixão.
O amor é mais um algo que me aperta a morte.
Perdição sangrenta que eleva a redoma ao infinito.
Visito-o quando o sonho venda o tempo e o resto parece esquecer.
Estranha forma de paixão, neste quente rodopio que me arrasta.
O silêncio espalha o desejo. Trémulo e incapaz.
Num mundo onde não se conhecem objectivos concretos.
Num mundo onde o amor versa seu nome de soslaio,
ao encosto do ouvido. Onde tudo o que parece existir
já aconteceu,
o mais que não seja, no espaço virtual de um pensamento
que esvoaçou, sabe-se lá onde.
Tal qual meu pensamento agora…
Encandeio-me.
Paixão…
Desfaleço perante suculenta aberração.
O meu sonho é um puzzle desencontrado.
O meu corpo é um tapete voador.
Neste rodopio quente que me arrasta, encerro em mim a totalidade.
…aumento e diminuo de tamanho, preencho o espaço,
Frio, insólito, ar comprimido que vasculha…
Sou eu assim agora gélida,
Empalideço ao mais ínfimo suor,
Descaio fina e segura no meu tufão azul.
Lassidão acorrentada. Era um canto.
Fome.
Terra doente.
Paisagens.
Encantador escombro. Emblemática persuasão.
O ar que expiro espalha-me nos escombros
Núcleo a núcleo, célula a célula.
Até me preencher no seu encanto…
Sou assim arrastada neste rodopio quente.

20050409

Flutua, parda ausência
como se estivera a viajar.
Lá onde se confundem mágoas e perdões,
ONDE SE ACENTUAM
Perdem-se.
Por mais o que esteja a ser no que fora e sempre estivera a vencer e a provocante sensação extenuante no impróprio vínculo doirado. Por entre as brumas pardas e sistematicamente endoculturais, soberbas, elas mancham a externa beatitude de um perdão que não conhece o dono. Mais do que paralelamente recaído surge e eis as dialogantes extinguidas trocas do sumo virginal. Do que foram tréguas ladeiras e sonantes as trépidas horas escasseiam seu oculto paladar, por entre as palmas esbatidas, desfaz-se no tremelitante, redornado de outros tantos. Por entre a sua veia distraída somam-se as entregas multifacetadas e assim sendo as sondas pálidas e flácidas que os canais adornam de espectacularmente facial aterrorizado.
Eis que a contemplação é uma rédea solta e particularmente reduzida ao fino contacto verde da paz. Por entre mais ainda cinzelam-se argaínas e por aí, onde o sopro habita num sossego imparcialmente eficaz, lança do seu ventre a grandiosidade do seu funcionamento. Como se fora a 1ª vez encharca a melodia castanha num só extracto do gesto miraculosamente conseguido. Gatinham-se e por mais letras e atacados singelam-se à sua contemplação, do que inexplicavelmente recai para seu lado sem hesitar.
Porque a sombra é de uma parte feita numa só experiência e aniquila o espécimen gratulado de consequências nefastas e peculiarmente vítimas de desonra.
Nunca estamos sós.

20050309

É bom fumar. E é bom não fumar.
Da última vez que a vi estava normal.
Ah, tu não estavas cá!
Fumar é falar com o fumo.
Tu tentas ser uma pessoa desagradável porque és agradável.
Ficas com um rosto mais expressivo sem aquele cabelo todo.
O amor é um gajo estranho. Não tem coração; o amor passa os dias ao espelho.
Eu sou apenas uma mentira, mas podes fazer de mim uma canção.
Retrata uma relação que não é uma relação normal. Entre dois homens, que pode ser entre um homem e uma mulher.
Sexo interesseiro.
Se bem que os corpos fazem parte.
A máquina transporta o espírito.
A carapaça?
Olha quem está aí atrás de ti!
A hipótese de ir amanhã à aula de pintura…
Só vejo o meu pai e a minha mãe. Tive 40 de febre.
Não queres puxar uma cadeira?
What have you done?
Nostálgico…
Tive uns dias tão estúpidos!
E a mamã, está boa?
Não. Não é essas curtes.
Vais andar com isso? Nem pareces um homem!
Não faço o que não me apetece.
Não sentistes os flashes? É a moina. Estamos a ser gravados.
Podes deixar as minhas meias e as minhas cuecas na maçaneta da minha porta.
Mas quando vestir o meu casaquinho lavadinho ninguém dirá que as minhas cuecas e as minhas meias são da semana passada. E toda a gente dirá: “mas que lindo casaco.”
No futuro ninguém se rirá de mim.
Fez-me lembrar uma pintura de M. Ângelo em que o Senhor dá a vida a Adão.
Pelo menos se for igual à cabeça.
Já ao tempo que não tinha um cachecol na minha mão. Muito menos na minha cabeça.
A vossa capacidade de amar é a minha levitação. E ao mesmo tempo um grito de desespero.
O canto da aranha müller. Mas porém os lobos vivem e esgadanham-se na terra e não sabem porque o fazem. São apenas lobos. E se Deus não os tivesse feito, quem os faria?
Se eu não tivesse pés era deficiente. Porém não consigo sentir bem o chão.
Metes-te na guerra!... olha!
Mas isto não vai desaparecer. Eu estou a abrir a minha. Mostramos a cabeça dele. Alguém nos mostrou.
É fixe ficar doente! Os deuses não se perdem. Os deuses medem-se aos palmos. Nem os homens.
Vi um sofá em vossa casa, altamente! Nem é uma coisa nem uma pessoa. Perante as nossas mentes, não é.
Agora é que dás valor.
É verdade.
Se estiveres a passar para o outro lado do espelho.
Sempre assim. Só olhava para a minha boca.
Só há uma maneira para passar para o outro lado do espelho, é encontrando o espelho.
Sei que estou viva porque acordo todos os dias de manhã. O meu amor me mantém viva.
São mais as rugas.
Fica-te mesmo bem. Ele foi mesmo feito para mim. Nem tudo.
Acho que o meu cérebro me fica bem na minha cabeça.
Onde andará ele?
Procura-o onde o deixaste.
Mais um que é para aquecer o espírito!
Vieste.
E para o qual não voltaste.
Se assim o entenderes assim o hás-de fumar.


Frases soltas de uma conversa entre os amigos no café Luso-Porto (1996)

20041109

É um buraco que em mim desperta
Como de cima para baixo
Algo da força da natureza mãe
Por só entre um ponto espreita
E não mais sabe se há-de entrar
Porque só entre um punhal afirma
Sua sorte é senão um dente firme
E prestes a revelar seu poder extremo
De uma conspiração que se vê entre um olhar
Mas será mais do que o sorriso a condição
Esta agora de se olhar e se ver aos quadrados
Pois só esta vontade de poder fixar um olhar e uma condição
Sobe mais do que o cume
E rejeita o ser
Por o exílio ser mais forte em sua pena
Por o contágio ser o marco de honra
Eis-me aqui prostrada
Escondendo o infeliz estado
Véu de má sorte e arrogância
sonho esvaziado e empático
Por mais que tudo
Sonho sonhar que sonho
Para que o sonho me extasie
E o sonhar me devolva o sonho
Que tanto sonho poder voltar a sonhar
No fundo, e porque a prece é algo
Que se esgota no coração dos sentidos
Eis-me esvaziando meu ser para que o renovem
E me devolvam o ar ardente que percorria meu sopro
Ressurreição – eis que me espera
E me agarra de garras abertas e conteúdo seco
Por entre mais palavras eu dito meu nome
E clamo alto p’lo horizonte
De chamas abertas
Que me seja restaurado o que em mim nasceu
E em mim morrerá
Pois só entre o mesmo veículo
Se prossegue o fado
E assim a constância
E assim a magnitude do momento perdura
São as forças que o ditam
E o testemunho desse algo que a sapiência criou
Percorro montanhas

Nos confins do universo e das coisas
Por entre todas as coisas